Videonistagmografia (Manobra Dix e Hallpike):
A.P.S.S, Fem, 38 anos
História e evolução clínica :
Em 2012 foi diagnosticada com trombocitemia essencial (mutação V617F no gene JAK2), e consequente hiperplaquetemia. A biópsia foi compatível com doença mieoloproliferativa crônica, e está sendo acompanhada pelo hematologista, tratando com hidroxureia (hydrea 500mg) 2 compr. 4x por semana e AAs infantil.
Em outubro de 2013 iniciou com quadro de tonteira rotatória, náuseas, vômitos e cefaleia. Não apresentou sintomas auditivos.
Evoluiu com tonteira intermitente diária, principalmente associada com mudanças de posição da cabeça tendo sido medicada por outros colegas, em algumas tentativas com, flunarizina (Vertix) e betahistina (Labirin), apresentando melhora apenas parcial.
Foi então avaliada por uma neurologista que a submeteu a vários exames para afastar uma causa neurológica para vertigem: EEG, Ressonância de crânio e angio-RM cerebral, descartando mal-formação de fossa posterior, lesões isquêmicas agudas, ou alterações vasculares arteriais e venosas. A neurologista no seu relato também descartou, pelo exame físico, alterações sugestivas de doença cerebelar exclusiva. A colega considerou ser mais provável tratar-se de Vertigem postural paroxística benigna (Vppb) do que doença cerebelar e encaminhou para reabilitação vestibular.
Foi nesse momento, em abril 2014, que a paciente me foi encaminhada .
Na manobra de Dix e Hallpike apresentava nistagmo paroxístico vertical inferior, sem latência, não fatigável, e com discreto componente rotatório horário, além da sensação vertiginosa e frequentemente náuseas em todas as posições da manobra.
O nistagmo posicional vertical inferior (paroxysmal downbeat nystagmus), afastada causa central, pode ser resultado de Vppb de canal anterior/superior.
Realizamos, sem resultado, manobras de reposicionamento para Vppb de canal anterior/superior.
Posteriormente observei que o nistagmo não precisava da manobra de Dix e Hallpike para aparecer, a paciente sentada jogando rapidamente a cabeça para trás também reproduzia, porém em menor intensidade, os sinais observados.
Pesquisei na literatura as causas de paroxysmal downbeat nystagmus:
– Lesão flóculo-nodular ou do vermis cerebelar posterior.
– Lesão degenerativa cerebelar
– Esclerose múltipla
– Isquemia
– Intoxicação (e também depleção magnésio e intoxicação por lítio)
– Má formação crânio-cervical
– Infecção por borrelia (Doença de Lyme- Carrapato)
– Doença paraneoplásica
A paciente realizou:
– Rx do tórax
– TC tórax: pequena opacidade subpleural no segmento basal posterior do lobo inferior direito, imagens nodulares esparsas em ambos os pulmões de aspecto inespecífico.
– TC do abdômen e pelve
– Dosagem de CA15.3 (Mama) = 31.3 (n até 30)
– Dosagem de CA 19.9 (Pancreas e vias biliares) = 38.3 (n até 36)
– Dosagem de CA 125 (Ovário) = 39.5 (n até 35)
– Dosagem do CEA (Gastro – intestinal) = dentro da normalidade.
– Teste sorológico para borreliose, sífilis e anti-hiv
– Exames bioquímicos, provas de função hepática.
– TC e RM das mastoides: RM de relevante mostrou sinais de redução de fluxo na artéria vertebral esquerda.
-AngioRM dos vasos do pescoço mostrou a artéria vertebral esquerda com acentuada redução de calibre e baixo fluxo, alteração que vem desde a origem na subclávia, não sendo possível identificar a presença de trombo. Poderia ser uma alteração de nascimento o que poderia aumentar a chance de trombo dentro desse vaso angustiado.
– Duplex scan de carótidas e vertebrais: afilamento e hipoplasia da artéria vertebral esquerda.
Em 2013 outro colega já tinha avaliado a coluna cervical com RM.
Foi avaliada então por colegas da cirurgia vascular (avaliou com ecodopler a artéria subclávia) , pneumologia, neurocirurgia e hematologia.
Concluiram que ocorreu algum evento vascular mínimo, não detectado pelos exames de imagem e que deixou essa sequela paroxysmal downbeat nystagmus.
Paciente então retornou para mim:
Em outubro último relatava instabilidade diária do equilíbrio principalmente quando precisa mexer rapidamente a cabeça como ao olhar para cima, dificuldade para atravessar uma rua devido aos movimentos laterais da cabeça. Só tinha náuseas com a hiperextensão repetida da cabeça.
No exame clínico o quadro permanecia inalterado.
Coloquei o caso no meu grupo internacional de otoneurologia, e um colega comentou sobre um artigo falando a respeito de “plugging” do canal semicircular superior (Canalolithiasis of the superior semicircular canal: Na anomaly in benign paroxysmal vertigo – Acta Oto-laryngologica, 2005; 125: 1055-1062)
Solicitei nova RM para avaliação de perviedade dos canais semicirculares: As discretas irregularidades dos canais laterais bilateralmente e do canal posterior direito não justificam o quadro clínico.
Concluindo: A paciente portadora de doença hematológica e alteração congênita na artéria vertebral, deve ter sofrido isquemia central localizada. O nistagmo é sequela dessa isquemia. Atualmente (2016 ) evita certas posições cefálicas e sente-se melhor com o uso diário de 0,5mg de clonazepan.