E.A.P, fem, 62 anos. Relata plenitude aural bilateral e hiperacusia após queda da própria altura e trauma craniano na região occipital. Não apresenta tonteira ou desequilíbrio.
Hiperacusia – É a intolerância a sons, incômodo causado por sons comuns e um desconforto anormal para sons acima do limiar (1). Hiperacusia frequentemente ocorre em associação com tinnitus, mas pode estar presente sem tinnitus ou qualquer perda auditiva associada (1). O impacto da hiperacusia em um determinado indivíduo pode variar da aversão a frequentar situações comuns, como ir a restaurantes e concertos, até casos extremos que levam a reclusão, no esforço de controlar a exposição a sons. Terapia sonora é uma forma de tentar tratar a hiperacusia. Os componentes da terapia sonora incluem: ruído de banda larga de baixa intensidade, aproximações sucessivas para níveis elevados de ruído, aproximações sucessivas para sons problemáticos, mascaramento parcial com uma variedade de sons, e aumento gradual para a saída máxima dos aparelhos de amplificação sonora (quando for o caso) (2).
Deiscência do canal semicircular superior – Nesse caso, o estudo tomográfico das mastoide revelou deiscência do teto dos canais semicirculares superiores, notadamente à esquerda (veja figuras anexas). A deiscência (falta da cobertura óssea do canal) cria uma conexão anormal entre a orelha interna e as estruturas vizinhas (3). A deiscência pode ser consequência da falha do desenvolvimento ósseo após o nascimento, e a fina cobertura óssea recobrindo o canal superior pode ser posteriormente rompida por pressão do lobo temporal ou por trauma (3). Deiscência do canal semicircular superior foi inicialmente relacionada em pacientes com tonturas induzidas por ruído (fenômeno de Tullio), mas tem sido associada com uma variedade de outros sintomas auditivos como autofonia, perda auditiva condutiva e hiperacusia (4). De fato, a deiscência provoca uma amplificação anormal do estímulo acústico, seja ele transmitido por via aérea ou óssea. Seu diagnóstico baseia-se no resultado da tomografia computadorizada de alta resolução e em sinais e sintomas típicos. Esses pacientes frequentemente mostram redução no limiar dos potenciais miogênicos vestibulares (VEMP).
VEMP – Nesse caso, o estudo com VEMP cervical mostrou um limiar de 45dB nHL para o lado esquerdo e de 80dB nHL para o lado direito. VEMPs (vestibular evoked myogenic potentials) são a resposta motora do reflexo vestíbulo-cólico e um reproduzível teste de screening da função otolítica baseado na sensitividade acústica do sáculo (Vemp cervical) (5). No Vemp cervical, o potencial inibitório do músculo esternocleidomastoideo previamente contraído é registrado como uma onda positiva P1 (que ocorre cerca de 13ms após o estímulo) seguida por uma onda negativa N1 (que ocorre cerca de 23ms após o estímulo). Utilizamos o estímulo acústico (tone burst) na frequência de 500 Hertz. Tradicionalmente, a análise da resposta do Vemp cervical consiste de quatro medidas fundamentais: A diferença da latência interaural, a latência absoluta de P1 e N1, o limiar de resposta e a razão assimétrica de amplitude (5). Com relação ao limiar de resposta em indivíduos normais, a intensidade de estímulo próxima ou abaixo de 75 a 80dB nHL não é suficiente para gerar a resposta do Vemp cervical (6). Lembramos que o limiar de resposta é o nível mais baixo de intensidade no qual uma resposta possa ser medida e reproduzida. A presença de resposta abaixo dessas intensidades (75 a 80dB nHL) é sugestiva da presença de patologias como a deiscência do canal semicircular superior. No nosso caso isso ficou bem claro com o estímulo na orelha esquerda (com a intensidade baixa de 45dB nHL ainda se conseguiu resposta) , bem como as largas amplitudes P1-N1 registradas.
Evolução: Previamente a neurologia utilizou benfotiamina 150mg 2x/dia, citidina+uridina+hidroxicobalamina (Etna) 2x/dia e carbamazepina 200mg 1x/dia sem melhora. Após aconselhamento, em março último iniciou com enriquecimento sonoro através de geradores de som (white noise) e com um pouco de amplificação. Em contato telefônico um mês depois, relatou que a hipersensibilidade auditiva diminuiu, mas não desapareceu. Em novo contato com quatro meses de evolução diz que “a hipersensibilidade diminuiu 60%” mas acha que está discriminando menos. Ficou de retornar para reavaliação.
A paciente realizou estudo com ressonância magnética das mastoides e pesquisa de potenciais evocados auditivos, sem alterações significativas.
Apenas o exame do VEMP foi realizado em nossa clínica.
Referências:
1- Bauer CA. Tinnitus and hyperacusis. In: Flint PW, Haughey BH, Lund V, Niparko JK, Robbins KT, Thomas JR et al, editors. Cummings Otolaryngology Head and Neck surgery. Philadelphia: Saunders; 2015. P. 2336.
2- Pienkowski M, Tyler RS, Roncancio ER, Jun HJ, Brozoski T, Dauman N, et al. A review of hyperacusis and future directions: Part II. Measurement, mechanisms, and treatment. American Journal of Audiology 2014; 23: 420-436.
3- Pfammatter A, et al. Superior semicircular canal dehiscence. Otology & Neurotology 2010; 31: 447-454.
4- Minor, LB. Clinical manifestations of superior semicircular canal dehiscence. Laryngoscope 2005; 115: 1717-1727.
5- Isaradisaikul S, et al. Cervical vestibular-evoked myogenic potentials: Norms and Protocols. International Journal of Otolaryngology 2012; p. 1-7.
6- McCaslin DL, Jacobson GP. Vestibular-evoked myogenic potentials. In: Jacobson GP, Shepard NT, editors. Balance function assessment and management. Plural: San Diego; 2016. P. 533.