X Combined Meeting – Meus 3 casos mais interessantes do ano

CASO 1

•L.R.C, fem, 50 anos

•Q.P: “Pulsação nos ouvidos”.

•Desde julho de 2023 sensação de pulsação como se o “coração estivesse batendo” em ambos os ouvidos. Tinnitus Pulsátil que em alguns dias só de virar a cabeça ele piora bastante, em outros dias percebe o dia todo, independentemente da posição da cabeça.

•Inclinar, lateralizar ou girar a cabeça para qualquer lado geralmente piora o sintoma, bem como em dias em que está mais estressada. Costuma mudar de intensidade, as vezes quase imperceptível, mas nunca desaparece.

• No início do quadro tinha sensação de aperto na cabeça, e posteriormente a percepção da pulsação. Quando o Z pulsátil está intenso, fica nauseada e com cefaleia. Relata que ao apertar a região infra auricular com o dedo, o sintoma diminui.

• Concomitante com o início dos sintomas colocou a prótese definitiva de sete dentes nos pinos implantados, cinco na arcada superior (três de um lado e dois do outro) e dois na arcada inferior direita. Notou mudança na mordida naturalmente. Nega hipoacusia, plenitude aural ou vertigem.

•HPP: Hipotireoidismo e pré-diabetes. Faz uso de cloridrato de metformina e levo tiroxina.

•HFamiliar: Nada digno de nota. Não tem enxaqueca ou história familiar de enxaqueca.

•Veio encaminhada por outro médico com resultado de exame audiométrico e ressonância magnética dos ossos temporais.

COMENTÁRIO: Tinnitus pulsátil fala a favor de uma causa vascular, principalmente quando é sincrônico com o batimento cardíaco. Como causa arterial, pensamos em carótida aberrante, carótida descente ou persistência da artéria estapediana. Pensando em tumores pensamos em glômus timpânico e glômus jugular, e pensando no sistema venoso, temos o bulbo jugular alto, a jugular deiscente e o hum venoso.

•EXAME FÍSICO:

•Exame otorrinolaringológico com nada digno de nota. Otoscopia inteiramente normal.

A audiometria mostra um diferencial aéreo – ósseo dentro da faixa de normalidade.

No exame de ressonância magnética da mastoide foi observado a presença de deiscência do canal semicircular superior bilateralmente. Na deiscência (Sindrome da Terceira Janela), costumamos observar esse diferencial aéreo-ósseo. Isso ocorre, porque parte da energia sonora transmitida através da janela oval “se perde” pela deiscência (via aérea), o que já não ocorre na via óssea.

•CONDUTA

•Nova audiometria com pesquisa do fenômeno de Tulio e Pesquisa do sinal de Hennenbert, e marquei para realizar VEMPs.

Relatou sentir tontura e desconforto com os sons durante a pesquisa do reflexo estapédico com os estímulos  lançados na orelha esquerda. Essa sensibilidade observada durante o exame, indicou-nos a possibilidade de deiscência “ativa”, ou seja, não somente um achado radiológico.

O exame do Vemp cervical mostra claramente que o potencial inibitório P1-N1 permanece presente mesmo com um limiar de estímulo rebaixado na orelha esquerda (Com 55dBnHL tivemos resposta = limiar na orelha esquerda). Isso não ocorreu na orelha direita. Portanto, pelo Vemp cervical, estamos diante de um caso de Síndrome da Terceira Janela Labiríntica acometendo a orelha esquerda (lado mais sintomático).

O exame do Vemp ocular mostra que do lado esquerdo a amplitude N1-P1 está alargada, está maior que 17,1 microvolts e com o estímulo de 4000 Hertz, o potencial excitatório N1-P1 foi registrado (o que não deveria acontecer em orelhas normais). Esses dois achados são descritos na Síndrome da Terceira Janela Labiríntica (Otology & Neurotology, Vol. 42, No. 9, 2021)

O melhor exame de imagem para estudar a Síndrome da Terceira Janela Labiríntica é a Tomografia Computadorizada das Mastoides com colimação helicoidal de 0,5 mm ou menor, reconstrução das imagens no plano dos canais semicirculares ( plano de Poschl ).

Na orelha esquerda observou-se extensa deiscência da limitante superior do canal semicircular superior, que mede cerca de 7,6 mm de extensão.

Além disso: Bulbo jugular alto e proeminente, protruindo no hipotímpano (seta amarela) e apresentando projeção diverticular
lateral que apresenta deiscência também em relação com a limitante inferior do conduto auditivo externo (seta azul) próximo à membrana timpânica. Destaca-se ainda deiscência do canal semicircular posterior (seta laranja) em relação ao bulbo da jugular, assim como do aqueduto vestibular (seta rosa).

Na orelha direita observam-se dois focos de deiscência da limitante superior do canal semicircular superior que mede cerca de 2,3
mm e 1,1 mm.

Além disso: Bulbo jugular algo e proeminente, protruindo no hipotímpano, com foco deiscência (seta vermelha).

CONDUTA

•Fiquei com o diagnóstico da Síndrome da Terceira Janela Labiríntica na orelha esquerda e Bulbo Jugular Alto e deiscente bilateral (mais extenso na orelha esquerda).

Bulbo jugular resulta da dilatação da porção superior bulbosa da veia jugular. As anormalidades costumam ser o bulbo jugular alto, a deiscência do bulbo da jugular e o divertículo jugular. Na maioria das vezes, essas anormalidades são descritas e geralmente são assintomáticas. Entretanto, em raros casos, os pacientes podem apresentar sintomas como tinnitus e mais raramente, perda auditiva condutiva.

•Prescrevi flunarizina 5 mg no jantar e clonazepam 0,5 mg antes de dormir.

•Em 22 de julho de 2024 referiu que o pulsar nos ouvidos reduziram em 50% com a medicação prescrita.

•Em 28/10/24 só percebe o pulsar em ambiente com som alto e ao levantar algum peso. Mantive as 5 gotas de clonazepan e passei os 5mg de flunarizina para a forma em gotas – 20 gotas no jantar.

•Em 13-01-25 referiu estar assintomática, notando desconforto somente em ambiente com som alto. Mantive as 5 gotas de clonazepan, reduzi a flunarizina para 15 gotas por 30 dias e depois reduzi para 10 gotas e manter. 

CASO 2

E.P.R, fem., 58 a

•SUBITAMENTE passou de equilibrada para desequilibrada e com oscilopsia vertical.

•Me procurou com cinco meses de evolução.

Detalhes a mais da história da doença atual: Me procurou em 23/05/2024 com a história de que apresentou há cerca de cinco meses atrás uma súbita mudança. De uma situação de equilíbrio perfeito para uma situação de importante desequilíbrio e oscilopsia vertical. Não teve uma evolução insidiosa como em uma degeneração cerebelar. A filha da paciente me mostrou um video dela brincando com os netos dias antes. Foi avaliada pela neurologia e em 16 de março último (2024), fez estudo com ressonância de crânio e permaneceu sem um diagnóstico etiológico.

          Trouxe exame vestibular externo que mostrou uma prova calórica e um exame audiométrico dentro da normalidade.

           Trouxe exames de sangue realizados em janeiro (Hemograma, glicose, hemoglobina glicada, ureia, creatinina, 25-hidroxivitamina D, cálcio, potássio, acido úrico, sódio, magnésio, perfil lipídico, exame de urina). De relevante a glicemia e o colesterol moderadamente elevados.

No exame físico desarmado apresenta nistagmo espontâneo vertical inferior em todas as posições cardinais do olhar, com maior intensidade nas miradas laterais:

Do ponto de vista sindrômico, apresenta a Síndrome do Nistagmo Espontâneo Vertical Inferior.

O nistagmo espontâneo vertical inferior (NEVI) é a forma mais comum de nistagmo adquirido.

Pacientes com NEVI como essa paciente, podem desenvolver a oscilopsia vertical e/ou visão borrada. Essa oscilopsia piora nas situações em que os olhos abaixam como em leituras (o nistagmo aumenta).

Nota: Oscilopsia é a ilusão de movimento do nosso campo visual (uma visão oscilatória). Pacientes com oscilopsia descrevem o seu problema de diferentes formas: “Visão borrada”, “dificuldade em focar”, “as imagens estão pulando”, “oscilando”, “se movendo”. Se a oscilopsia ocorre somente com movimentos de cabeça, pensamos em ausência do reflexo vestibulo-oculomotor bilateralmente (Perda bilateral da função vestibular). Se ela ocorre com o paciente com a cabeça parada e de forma contínua (Como nesse caso), pensamos na presença de um nistagmo. Se ela ocorre com a cabeça parada mas em breves ataques pensamos em alguma manifestação paroxística (Exemplos: Paroxismia, flutter, fenômeno de Tullio etc). Não confundir oscilopsia com vertigem visual. Na vertigem visual ocorre sensação de tontura provocada pelo ambiente visual amplo com padrão de movimento repetitivo ou apenas movimento do ambiente.

O NEVI obedece a Lei de Alexander, uma vez em que intensifica-se na direção da componente rápida e lentifica-se na direção da componente lenta. Intensifica-se no olhar para baixo e diminui ou desaparece no olhar para cima.

Com relação a causa do NEVI, nesse trabalho abaixo, combinaram três séries de pacientes com NEVI. Observem que há uma alta proporção de causa idiopática. Porém, cerca de 40% dos pacientes apresentaram uma explicação estrutural evidente, indicando a importância dos exames de neuroimagem.

Nesse mesmo artigo, é proposto uma classificação do NEVI em dois grandes grupos. O causado por uma patologia estrutural evidente e os de causa não estrutural.

Nesse caso, os exames de imagem não ajudaram na identificação do fator causal.

Com o objetivo de procurar um fator etiológico solicitei:

          – Painel genético para ataxia espinocerebelar, dosagem de vitamina b12, b6, b1, magnésio, vitamina E, Anti Gad, ca 15.3, 19.9, 125, CEA, desidrogenase lática total, creatinoquinase total, complemento c3, c4, FAN, Anca (Anti citoplasma de neutrófilo c,p) e teste sorológico para borreliose.

O resultado foi positivo na dosagem do Anti-GAD.

Anticorpo anti-GAD associados ao NVI está como causa inflamatoria ou autoimune.

Autoanticorpos contra o GAD (GAD = ENZIMA chamada acido glutâmico descarboxilase.

A enzima ácido glutâmico dexcarboxilase (GAD) é a enzima que catalisa a conversão do ácido glutâmico em ácido gama-amino butírico (GABA), um neurotransmissor inibitório. Anticorpos contra GAD (anti-GAD-Ab) estão associados a uma variedade de condições neurológicas autoimunes, como síndrome da pessoa rígida, ataxia cerebelar, epilepsia e encefalite límbica. O espectro clínico da ataxia associada com anti-GAD-Ab abrange a síndrome de ataxia cerebelar progressiva lentamente, evoluindo em meses ou anos, associada à atrofia cerebelar na ressonância magnética cerebral. Há poucos relatos de pacientes com ataxia associada com anti-GAD-Ab apresentando movimentos oculares anormais, como NEVI.

Os anticorpos contra o GAD acabam interferindo na síntese do GABA nas células de Purkinje gabaérgicas do floculo-cerebelar.

As células de Purkinje do floculo-cerebelar são especialmente sensitivas para movimentos visuais para baixo. Essa células enviam projeções inibitórias aos canais semicirculares anteriores mas não para os posteriores. Com isso, o dano flocular gera um “drive” dos olhos para cima (componente lenta do nistagmo). A formação reticular gera a componente rápida para baixo = NEVI.

Nossa paciente foi para investigação no serviço de Neurologia e posteriormente para o serviço de neuroimunologia.

Coloco abaixo do lado esquerdo as opções de tratamento utilizadas no NEVI e do lado direito o tratamento indicado para esse caso.

CASO 3

•W.R, masc., 65 anos

•Vinha em tratamento para Doença de Menière do lado direito desde 09/03/2023

Se compararmos as imagens acima dos exames audiométricos, podemos ver uma flutuação auditiva por exemplo comparando as audiometrias de fevereiro de 2023 com a de janeiro de 2024.

Classifico esse paciente como portador de Doença de Mènière Definida.

(Doença de Menière DEFINIDA)

  1. Dois ou mais episódios espontâneos de vertigem, com duração entre 20 minutos e 12 horas.
  2. Perda auditiva sensorioneural documentada audiometricamente, de frequência baixa a média, envolvendo pelo menos um dos episódios (antes, durante ou após).
  3. Sintomas aurais flutuantes (hipoacusia, tinnitus, a sensação de plenitude ou pressão) no ouvido afetado, correlacionando-se temporalmente com as crises.
  4. Exclusão de outras causas vestibulares que expliquem o quadro.

A prova calórica vestibular, que estuda o canal lateral/nervo vestibular superior com estímulo de baixa frequência, mostrou um claro predomínio labiríntico do lado esquerdo, o que é o esperado na Doença de Menière. Portanto, uma hipofunção do labirinto acometido, o da orelha direita.

Os estudos de imagem, ressonância magnética e tomografia computadorizada das mastóides não revelaram alterações significativas para o quadro clínico.

•Vinha em tratamento para possível Doença de Mènière do lado direito desde 09/03/2023

•Estava bem em uso de Betaistina 16 mg manhã e 24 mg a noite.

•Até que em 17/10/24 me contou que teve dois episódios de Crise Otolítica de Tumarkin.

Quedas súbitas, abruptas, sem perda de consciência, causadas por uma descarga disfuncional nos órgãos otolíticos da ouvido interno, principalmente o utrículo e o sáculo.

Foi descrita pela primeira vez por Tumarkin em 1936, que observou que esses pacientes tinham episódios de queda súbita, sem vertigem rotatória, sem perda de consciência, e sem pródromos claros.

Acredita-se que o fenômeno decorra de uma descarga súbita anormal nos órgãos otolíticos (utrículo e/ou sáculo), gerando uma ativação abrupta dos reflexos posturais antigravitacionais, causando perda súbita do tônus muscular extensor, levando à queda.

Esse mecanismo é semelhante ao de um “drop attack” vestibular.

Fontes indicam envolvimento de vias vestibulo-espinhais, sem envolvimento cortical (por isso a consciência é preservada).

Paciente após as crises:

Está em uso de: Duloxetina 60mg.
Clonazepan 0,25 mg toda noite.
Flunarizina 1 compr 12 em 12 horas
Betaistina 24mg café, almoço e jantar.

CONDUTA:

•VEMP
e RM COM PROTOCOLO PARA A DOENÇA DE MENIÈRE.

O VEMP cervical mostrou que com a retificação eletromiografica não há diferença de amplitude P1-N1 entre os lados. Resposta sacular simétrica.

Já no VEMP ocular, o índice de assimetria interaural da amplitude N1-P1 está alterado, indicando que há dano a função utricular direita.

Ressonância com protocolo para Menière – Técnica:
Aquisições de sequências multiplanares ponderadas em T1, T2, FLAIR e difusão. Realizada sequência IR 3D 4 horas após a injeção de gadolínio, para avaliação de doença de Menière.

Não há sinais de hidropsia cocleovestibular à esquerda (setas roxas).

Há obliteração completa do vestíbulo à direita (hidropsia vestibular acentuada grau III – seta verde). Destaca-se, ainda, extensão da alteração do sinal relacionada à hidropsia ao canal semicircular lateral junto à confluência com o vestíbulo deste lado (seta amarela), sendo
que o mesmo, assim como todo o labirinto membranoso, tem sinal preservado na sequência fortemente ponderada em T2 o que indica que estão pérvios.

Observa-se, também, alargamento do espaço endolinfático coclear à direita, com obliteração parcial e irregular da scala vestibuli (hidropsia coclear grau I de Baráth – seta vermelha).

Comentário: Chama a atenção o grau acentuado de hidropsia endolinfática no lado direito que aparentemente se estende ao canal lateral do mesmo lado.

Schuknecht já descrevia em 1974 que em hidropsias severas poderia ocorrer herniação para o segmento não ampular do canal lateral

COMENTÁRIO: Os achados dos exames de ressonância com protocolo para a Doença de Menière não fazem parte dos critérios de diagnóstico.

Cada vez vemos na literatura mais artigos estudando essa técnica para identificação do “hydrops”endolinfático.

Até o momento não realizei uma revisão bibliográfica alargada sobre os achados de ressonância com protocolo de Menière relacionados aos casos que evoluiram com a crise otolítica de Tumarkin.