E.P.R, feminino, de 58 anos me procurou em 23/05/2024 com a história de que apresentou há cerca de cinco meses atrás uma súbita mudança. De uma situação de equilíbrio perfeito para uma situação de importante desequilíbrio e oscilopsia vertical. Foi avaliada pela neurologia e em 16 de março último, fez estudo com ressonância de crânio permaneceu sem um diagnóstico etiológico.
Trouxe exame vestibular externo que mostrou uma prova calórica e um exame audiométrico dentro da normalidade.
Trouxe exames de sangue realizados em janeiro (Hemograma, glicose, hemoglobina glicada, ureia, creatinina, 25-hidroxivitamina D, cálcio, potássio, acido úrico, sódio, magnésio, perfil lipídico, exame de urina). De relevante a glicemia e o colesterol moderadamente elevados.
No exame físico desarmado apresentava nistagmo espontâneo vertical inferior em todas as posições cardinais do olhar, com maior intensidade nas miradas laterais.
Do ponto de vista sindrômico, apresenta, portanto, a Síndrome do Nistagmo Vertical Inferior.
Com o uso de clonazepam (0,5 mg/dia) não teve uma melhora significativa.
Com o objetivo de procurar um fator etiológico solicitei:
– Painel genético para ataxia espinocerebelar, dosagem de vitamina b12, b6, b1, magnésio, vitamina E, Anti Gad, ca 15.3, 19.9, 125, CEA, desidrogenase lática total, creatinoquinase total, complemento c3, c4, FAN, Anca (Anti citoplasma de neutrófilo c,p) e teste sorológico para borreliose.
– Solicitei um segundo exame de imagem que revelou:
A artéria vertebral não está dilatada nem alongada.
E não tem platibasia, mas um clivus curto com alteração de alguns ângulos e invaginação basilar.
Na junção bulbo medular por conta da invaginação a amplitude do canal está reduzida.
Geralmente vemos maior quantidade de liquor circundando a transição bulbomedular, esse espaço está reduzido no dela:
(Esta imagem mostra bem isso, sem o contorno do liquor que apareceria preto):
Posteriormente recebi o resultado dos exames de sangue: Veio o resultado da dosagem do anti-GAD (> 2000 UI/ml – referência até 10 UI/ml):
Anticorpo anti-GAD associados ao nistagmo vertical inferior está como causa inflamatória ou autoimune.
Autoanticorpos contra o GAD (GAD = ENZIMA chamada ácido glutâmico descarboxilase.
O ácido glutâmico descarboxilase (GAD) é a enzima que catalisa a conversão do ácido glutâmico no neurotransmissor ácido gama-aminobutírico. Os anticorpos contra o GAD (anti-GAD-Ab) estão associados a uma série de condições neurológicas relacionadas ao sistema autoimune, como síndrome da pessoa rígida, ataxia cerebelar, epilepsia e encefalite límbica. O espectro clínico da ataxia associada ao anti-GAD-Ab compreende a síndrome da ataxia cerebelar lentamente progressiva evoluindo em meses ou anos, associada à atrofia cerebelar na ressonância magnética cerebral. Há poucos relatos de pacientes com ataxia associada ao anti-GAD-Ab apresentando movimentos oculares anormais, como nistagmo vertical inferior (DBN – downbeat nystagmus). http://dx.doi.org/10.1016/j.jns.2015.10.024
No momento, solicitei parecer da neurologia, e me parece que a invaginação basilar foi apenas um achado, e o transtorno está sendo provocado por essa alteração autoimune.
Como é gerado nesse caso o nistagmo espontâneo vertical inferior? A via gabaérgica (inibitória) é afetada pelos autoanticorpos.
O flóculo cerebelar inibe as vias dos canais anteriores, e não dos posteriores. Ao afetar a via dos canais anteriores, a inibição desses canais fica comprometida, gerando o olhar para cima (fase lenta do nistagmo). A fase rápida é para baixo = Downbeat nystagmus.